sexta-feira, 19 de março de 2010

Ótima aterrissagem.

Ontem o escritor Marcelino Freire me convidou pra uma noitada numa das suas oficinas de escritura, turma das boas, é legal ver gente que acredita em literatura. Fui super bem recebido ganhei fotos da Fernanda Grigolin ouvi textos do caralho li trechos do meu livro que vem por aí fui embora querendo voltar. Obrigado amigo Marcelino valeu turma, estamos todos no mesmo voo.

Trecho do livro:

O Jô foi meu amigo de colégio, vendia carteira de couro num pano estendido na calçada da Rodolfo Dantas quando porra, Jô, caralho... faz o quê, vinte anos? vem morar no meu hotel... não quero saber, porra, tô mandando. O cara da turma que mais entendia de música tem dentes podres, o que sobrou deles, um quase mendigo que bebe uma cachaça vagabunda que vem numa garrafinha plástica em forma de granada e toma sei lá quantas por dia. Me tornei wagneriano por causa dele. Um dia me chamou na sala do apezão lá da Siqueira Campos com Atlântica, abriu a janela, tava rolando o maior pôr-do-sol, Wagner no volume máximo, ele começou a reger uma sinfonia do caralho me arrepio só de lembrar e me falou pra não tirar o olho duma árvore enorme um pouco abaixo da janela e aí escureceu e os morcegos vieram, subiam até a janela e desciam em zigue-zague parecia que o Jô tava regendo eles também, porra Jô, o que aconteceu com o cara que me apresentou os Doors e os Stones no quarto soterrado de vinis onde a gente passava tardes elétricas. Tu decorava refrões eu escrevia canções: um dia alguém vai roubar frases minhas pra despejar no ventre quente da mulher amada, alguém vai roubar frases minhas. A gente pensou em ter uma banda lembra? mas ninguém tocava porra nenhuma, só punheta. Contou que perdeu a mãe quando tinha dezoito, pouco depois de mudar do colégio. O pai casou de novo, mas não durou muito: a empresa quebrou, depois o infarte, sobrou a madrasta que ajuda com uns trocados. Pagava nove reais por noite numa pensão na Candelária, aqui paga quando pode. Puxa o saco, seu sotaque british é perfeito, Jeff. Derrama histórias da temporada em Londres e os olhos de Sir Boca Suja procuram no teto um ponto de fuga, não há mais tempo, não haverá Inglaterra. Eles se dão bem. Jeff esquece palavras em inglês e coloca a culpa na idade. Jô finge que acredita. Jeff ensina como se joga cricket. Jô finge que aprende. Jeff diz para os hóspedes I live in London, estou aqui passando uma curta temporada, assuntos de família, sabe? O Rio é fantástico, não?

Marlon se apaixonou pela garota tarde demais: ela se cansou dele. Sobraram o pulgueiro algumas lembranças esperma contido. Marlon dançou o último tango no meu DVD e fez Djuly chorar. O funk assassinou a tristeza numa quebrada de Nova iguaçu e eu ressuscitei a filha da puta com uma passada na locadora ( às vezes eu me empolgo mostro uns filmes cabeça falo do futuro do pão quero aculturar e elas só querem o meu leitinho, o jato na cara, eu me empolgo e ela quem é esse Reminguei aí? o moreno do açougue não me fala essas coisas). Djuly ainda chora, fudeu, compliquei seu mundo de esgoto precário e ônibus lotado. Ganha uma merreca por semana pra trocar fralda e ser xingada pela velha com Alzheimer. Pai desconhecido, mãe drogada, quatro irmãos, barraco de dois cômodos, vinte anos, mora com a tia, mas ela só gosta de mim quando tenho algum dinheiro.

2 comentários:

  1. Oi Heitor,

    Adorei o post. Muita sorte na publicação do livro, a idéia é inovadora e vc escreve muito bem. Vou acompanhar as novidades por aqui.

    Bjos,

    Fernanda

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  2. Valeu Fernanda.

    Arrepie lá na oficina do Marcelino.

    Beijo
    H.

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